quinta-feira, 26 de abril de 2012

O VENTO



O vento que arruma meus cabelos e cheira meu cheiro
Esse me traz até o tempo
Me arrasta com força pra dentro de mim
Pois ele vem trazendo lembranças sem eu pedir, ele vem
Trazer sabores de mel que eu não posso sentir na língua
As flores que não posso sentir nas mãos
A terra que não tocarão meus pés
Vem me contar histórias que eu havia esquecido
Vem me fazer dançar as músicas que eu não havia dançado
Vem me trazer o frio que me tinha abraçado
Até a quentura que tinha arranhado meu pescoço, ele vem
Me mergulhar no breu daqueles olhos de madrugada
Me perder de mim, ele vem
Tudo que eu não posso sentir ele vem
Ao dobrar a esquina ele vem
Me carregar pra nunca mais devolver ele vem

sábado, 14 de abril de 2012

UM CONVITE INESPERADO



A cidade corria nos passos apressados das pessoas que passavam, que iam para o trabalho, para o médico, para a aula, para a igreja e os meus passos estavam no meio deles. Precisava fazer um exame e como um fato inevitável ter de esperar infindavelmente para ser atendido. A sala da clínica estava cheia de ruídos e calor apesar do ar-condicionado. Eu me vi inquieto, apressado e resolvi sair e esperar em outro lugar.

O majestoso Baobá da Praça dos Mártires, o Passeio Público me convidou para uma conversa silenciosa e eu fui. Lá tudo estava parado contrastando com o movimento do centro da cidade e de vez enquanto uma brisa do mar vinha fazer dançar os galhos dos Oitis, Mungubeiras e Ficus da praça, tudo era bem mais atraente que o calor e agonia da clínica, eu estava no berço de Fortaleza, do lado do Forte Nossa Senhora da Assunção, Dalí Fortaleza partiu com passos lentos.


Quase impossível não se demorar diante do grande Boabá, árvore sagrada para os africanos, aliás, ela veio de lá, Senegal para ser mais preciso. Está conosco talvez a mais de 150 anos, viu muita coisa, presenciou muitos amores e muitos horrores, tem gravado no seu tronco a união de muitos casais, são Marias e Chicos, São Gabrieis e Nayaras que ali se casaram tendo o Baobá como uma espécie de lugar santo.

Lá o tempo parou um pouquinho e eu pude contemplá-lo. Pensei nas pessoas que passavam correndo do lado de fora da praça, nas que estavam sentadas nos bancos e naquelas que têm como teto aquelas árvores e como cama aqueles bancos, dei uma volta olhei o mar que abria os braços para mais uma jangada, subi no antigo palanque dos políticos de outrora, onde os amantes faziam suas declarações, onde logo depois um grupo de crianças de uma escola com seus professores subiram para aprender sobre o lugar e depois sentei num dos bancos convidativos parados ali o tempo todo.
No meio de tanto barulho encontrei um oásis de silêncio, onde silenciei minha alma, onde pude parar.

A praça é dos Mártires porque nela foram sacrificados alguns heróis da Confederação do Equador. Durante muito tempo foi ponto de mulheres que tinham nos seus corpos o ganha pão, elas ainda estão por perto, lá mesmo do banco onde eu estava podia-se vê-las, cedo da manhã num barzinho logo em frente esperando sentadas, são pessoas que por algum motivo foram colocadas, não creio que estão nessa vida por opção.

Talvez o sábio Baobá me chamou para parar um pouco e enxergar o que todos os dias está ali, como parte da paisagem que assim como ele tem muito a ensinar. Eu sei que ele me convidou para ver as belezas, ouvir o canto dos pássaros, para olhar o mar, mas depois ele pediu para que eu tirasse a vista do mar, da cidade litoral e olhasse também para o interior, interior da cidade, interior de mim mesmo e visse que não só a Praça, mas a própria cidade continua fazendo seus mártires e que eu posso escolher ter nas mãos um fuzil ou um ramo de liberdade oferecido por ele.